O RELICÁRIO

Esta, meu caro amigo, é uma história de amor. Não recomendo que leia, se não estiver habituado aos desastres que esse sentimento costuma causar.

Estava em uma reunião de amigos completamente monótona quando conheci um rapaz — que aqui vou chamar de Paulo.

Ele parecia não apreciar o ambiente tanto quanto eu, então resolvi chamá-lo para caminharmos um pouco.

Andamos em silêncio, e ele parecia refletir sobre algo.

Carregava um livro de capa em veludo com letras douradas, que me chamou atenção.

Achamos uma praça ali perto e sentamos perto de uma árvore, sob a luz do luar.

Minha curiosidade pelo tal livro era tanta, que resolvi indagar o que era:

— O que é neste livro de capa tão bonita?

Paulo tirou vagarosamente os olhos (e pensamentos) da lua e me respondeu:

— Este é o meu relicário; há uma longa história por trás dele. — Ele fez uma pausa, me olhou e continuou:

— Posso contar a você se quiser.

— Sim, claro! — declarei.

— Saí de São Paulo para trabalhar aqui com meu tio.

Chegando de lá, me hospedei em uma pensão muito aconchegante, e todos foram bem receptivos. Me senti bem à vontade e em pouco tempo já conhecia praticamente todos.

Dias depois de minha chegada, uma moça — acompanhada de quem parecia ser sua dama de companhia — se instalou lá também.

Eu a conheci na saída do chá das cinco; nunca vi mulher mais bela: tinha pele alva, lábios carnudos e vermelhos; cabelos pretos e tão lindos e enrolados e presos em um penteado que a deixava ainda mais linda.

Seu perfume parecia não ser deste mundo, e sim feito por fadas, especialmente para ela. Seu nome, soube depois, era Carolina.

Fiquei tão encantado com aquela jovem que acabei perdendo o sono, e então resolvi ir aos fundos da pensão para refrescar a cabeça.

Acabei, no entanto, perdendo ainda mais o foco, pois Carolina lá estava sentada num banco buscando o mesmo que eu. Sentei ao seu lado e começamos a conversar. Sobre tudo.

E esse momento se repetiu durante semanas até nos descobrirmos apaixonados.

A partir daí, nossos encontros ganharam ainda mais magia e encanto. As horas pareciam minutos ao lado dela; minhas manhãs e tardes passaram a ser tediosas e eu só era feliz quando estava ao lado de Carolina.

Numa noite — em que a lua estava tão linda quanto a de hoje —, fiquei tão inspirado que resolvi pedi-la em casamento.

— Carolina, meu anjo, amor da minha existência, quer unir nossas almas e perpetuar nosso amor para o todo sempre.

Ela me olhou assustada e disse:

— Paulo, está me pedindo em casamento?

— Sim, anjo… é o que mais desejo.

Foi então que ela desabou e começou a chorar desesperadamente, e, entre soluços, me respondeu:

— Não posso me casar contigo…

— Mas por que, anjo?

— Sou noiva de outro…

— Noiva… — repetia eu, perplexo.

— Sim, mas não o amo, Paulo… quero você. Eu te…

— Pare! Não quero mais te ouvir! — declarei, me distanciando dela.

— Antes que vá, precisa saber que amanhã não estarei mais aqui. Vou te deixar em paz — ela finalizou em prantos.

— Faça como achar melhor, Carolina.

Saí de lá. No dia seguinte, ela foi embora como prometido.

Os dias seguiram e a dor no meu peito ia ficando cada vez mais esmagadora. Sentia falta dela, era fato.

Numa tarde, eu estava me sentindo entediado com o trabalho, pedi para sair mais cedo — o que me foi concedido. Tudo o que queria era tomar um banho e me deitar.

Porém, quando cheguei ao meu quarto, me deparei com algo totalmente inesperado: Carolina lá estava, sentada em minha cama — ao que parece, me esperando.

Nesse momento, Paulo fez uma pausa de sua narrativa e olhou por alguns instantes para o relicário, tocando as letras em dourado. Por fim, suspirou e prosseguiu:

— Perguntei a ela o que significava aquilo.

— Me caso amanhã. Mas precisava dizer a você que é contra minha vontade — não o amo. Eu… eu te amo, Paulo.

— Com que direito você acha que pode vir aqui me dizer essas coisas, Carolina? Tem ideia da dor que me causou? — indaguei, revoltado.

Então, ela se aproximou — e nesse momento todo o amor que sufoquei ressurge.

— Só precisava que soubesse do meu amor. Falo isso com o direito de quem ama com um amor puro e verdadeiro.

Ela me fita nos olhos, parecendo enxergar minha alma. De repente, me beija e eu, num rompante de paixão, aceito seu beijo. Aperto seu corpo contra o meu, intensificando ainda mais nosso contato, beijando-a com desejo e amor que há muito me consumia.

E assim, fizemos amor a tarde inteira.

Acordei e logo notei que era noite e que Carolina havia partido novamente. Ao meu lado havia um bilhete seu, dizendo que ficaríamos juntos nesta ou em outra vida.

Na manhã seguinte, recebi a pior notícia que recebi na vida: Carolina havia se suicidado… meu chão nesse momento deixou de existir.

Mais uma vez, Paulo dá uma pausa. Seca as lágrimas que caíam aos montes, e eu inspirei fundo para segurar as minhas. Lhe dei alguns tapinhas no ombro para consolá-lo.

Olhando para mim, ele conclui sua narrativa:

— Horas após ser informado de sua morte, recebi este livro — que mais tarde descobri ser o diário dela; acredito que tenha sido a forma que ela encontrou de me deixar um pedaço seu. Por essa razão, eu o chamo de relicário: aqui, tenho como saber tudo sobre meu anjo, toda sua essência para mim.

Ao final de sua narrativa, conversamos um pouco mais e depois nos despedimos.

Dias depois, ainda impressionado com a história de Carolina e Paulo, resolvi saber dele: logo descobri que havia se suicidado.

Recebi um bilhete de seu contator e um pacote que dentro continha o relicário de Paulo. Eis o que dizia o bilhete:

Caro Luís,

Não posso mais viver sem meu anjo; confio a você, meu bem mais precioso.

Cuide dele da forma que melhor achar.

Estou indo ao encontro dela, do meu anjo.

Abraço, Paulo.

Pode ser, meu caro amigo, que Paulo e Carolina se encontraram e vivam felizes onde quer que estejam. Suas histórias, é certo: ficaram para sempre registradas no tão estimado relicário.

Amanda Brasiliano
Enviado por Amanda Brasiliano em 27/04/2024
Código do texto: T8051206
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