🙏35🙏 - O SENHOR MORTO

 

Nasci em Ruy Barbosa, pequeno município do Estado da Bahia, região da Chapada Diamantina, cujos habitantes originais foram os indígenas Maracás.

 

Em época da Semana Santa, sociedade em que predominava o catolicismo, alguns fieis mais extremistas vestiam-se de preto e jejuavam. O tempo era de contrição, proibido à criança brigar, xingar e mastigar chiclete, sob pena de condenação eterna e sem salvação, ao FogoDoZinferno.

 

Entre os rituais religiosos havia a cerimônia do "Senhor Morto", que eu tinha medo extremo, diria, até, verdadeiro pavor de Cristo. Os altares e os anjinhos eram todos escondidos por sob um manto roxo e um cristo enorme, ensanguentado, com profundas feridas, "indecentemente" quase nu, aparecia misteriosamente no centro da igreja e as pessoas o reverenciavam caminhando ao redor de cabeça baixa (olhar era desrespeitoso), em sentimento profundo e até tocavam aquele pé cheio de sangue com fé em alcançar o perdão dos seus próprios pecados.

 

Assombrada, só sei que eu sempre fugia da igreja para desespero de mãe, evitando tocar naquele morto tão feio e penoso. Porém, certa vez, com amiguinhas travessas, lá pelos meus 7 anos, em ato heróico, fomos cutucar o esconderijo desse cristo machucado, que me provocava tanto horror. Estava guardado na igreja atrás do altar e o achamos... e... fomos descobertas.  Enquanto as amiguinhas me fugiam, aturdida com aquela imagem terrificante tão na minha frente e o susto por ser culpada, na pressa de fugir dei meia volta e atrapalhada esbarrei na imagem e caí... Mas... caí estatelada... justamente sobre esse cristo e machuquei-me de verdade, com um profundo corte no braço. Ainda tenho a fininha e comprida cicatriz como lembrança da peripécia.

 

Bom, confesso nunca gostei de imagens de sofrimento e criamos uma mútua rejeição para nunca mais nos encontrarmos, que seria bem mais justo para o "senhor morto", posto ter ficado muito sujo do meu sangue. Felizmente fui liberada por meus pais da obrigação desses rituais.

 

 

 

 

Branca Estrela
Enviado por Branca Estrela em 24/04/2024
Reeditado em 14/05/2024
Código do texto: T8048432
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