A despeito

A despeito do que possa parecer, não ficou na memória, nada além de lembranças. Não ficou mágoa. Talvez um pouquinho de decepção, uma sensação de deslealdade, mas que, acredite, não a ponto de desejar algum mal; isso não. Nunca seria capaz desse sentimento.

É correto pensar que ao tempo o tempo necessário. Somente o tempo será capaz de concluir o que a memória consegue só recordar.

Todavia, que mais querer quando se esgotaram as possibilidades? É demasiado remexer as gavetas da memória como se nessa busca a possibilidade de novas descobertas trouxessem, para espanto de uns, e confirmismos de outros, tesouros guardados como se guardou Tutankamon por séculos. Talvez, e só talvez, um novo sinal, um novo passo, um novo sorriso, sejam capazes de acender o que se encontra apagado; não sei. É hora da pausa. Hora da pausa para que as coisas se ajeitem. É hora da pausa, como na música, onde a pausa é o momento para o compasso seguinte, para que, como um pensamento, se possa construir possibilidades e novas realizações. A pausa, o preguiçar, aos modos de Diadorim, é o momento do e no qual, se pede calma, se pede, para que se aquieta, não apresse o passo, ande, não corra.

Porém, tal qual na música, na vida, e nas relações, podem acontecer percalços. E, então, será a hora do ajuste. Será a hora dos pingos nos is. Será a hora, talvez, do perdão ou do pecado, tudo ou nada, avançar ou retroceder? Não se sabe; nunca se sabe.

É triste pensar no que se transformaram momentos de cumplicidade. Pensar o quanto se tornou penosa a satisfação da companhia. É doloroso pensar que excluir alguém do convívio cause tanta sensação de deslealdade. É triste a sensação de não estar ao lado, de se sentir apartado do convívio. É penoso pensar que a desfaçatez tenha se tornado algo corriqueiro. E nesses casos, o que fazer senão afastar -se? Também é preciso dizer: há motivações que desencadeiam ações que se parecem revanchismo, mas não. São ações motivadas. Como diz o sábio ditado popular: cada ação uma reação. E talvez falte reconhecer isso, nada acontece sem uma motivação. A vida é esse continuo acontecer; é um rio que segue seu leito, independente de sua vontade, todavia, ela não acontece sem alguma motivação, qual seja, a vontade de viver. Trancar em si mesmo é não querer o acontecimento da vida. É agir como o casulo, porém, com a diferença de que um dia o casulo se transformará em borboleta e seguirá a conhecer o mundo. Àquele que se encasula, não vive, existe apenas, sem conexão com o que acontece a redor. É triste. Fica triste. Vive triste. Um ser triste, ao final.

E então o que resta senão o rompimento quando se exclui do convívio, quando se escolhe não estar junto. Ou, talvez, resta a possibilidade do (re) existir. Nunca se saberá. É bom não saber. É necessário dar ao tempo o tempo necessário, é necessário seguir. É necessário viver para outras possibilidades.